quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

DÚVIDA CRUEL: FORMAÇÃO...OU GRADUAÇÃO?

Certo dia eu conversava com uma profissional de Recursos Humanos, e o assunto era a colaboração entre departamentos. Ela acabara de assumir aquela área na empresa em que eu trabalhava, e fui lhe dar as boas-vindas.

Logo de início, ela perguntou qual era a minha formação. Apesar de achar que esse é um conceito dúbio, respondi que era formado em Gestão de Recursos Humanos, ao que tive como resposta que:

“...esse curso de graduação tecnológica é bem ‘en passant’ em matéria de RH

Fiquei sem entender o real sentido do comentário, mas não deixei de extrair dele mais uma observação do mundo corporativo: ainda que seja chavão e lugar-comum falar sobre compliance, atitudes, liderança  e multidisciplinaridade, ainda existem avaliadores que preferem comprar pelo rótulo, pela aparência, sem ler as entrelinhas.

Tenho uma opinião pessoal sobre esse assunto que talvez seja partilhada por alguns: há excelentes profissionais no mercado que fazem valer sua capacidade de produzir e disseminar conhecimentos, graduados em universidades ou faculdades não tão atraentes, assim como existem muitos (e até altos) postos de trabalho preenchidos por diplomados “top brother” com capacidade de resolução de problemas bastante limitada e/ou sofrível.

Bons selecionadores procuram conteúdo – leia-se vivência profissional multifacetada e adaptabilidade; selecionadores  medianos, os formados em um determinado rol de instituições; já os selecionadores fracos ou sem autonomia, rostinhos bonitos, afinidades pessoais ou apadrinhamento.

Só nos damos conta desses parâmetros ao participar ou acompanhar processos seletivos, seja como candidatos ou expectadores. Infelizmente nem sempre “o melhor vence”, pois a escolha sempre passa por filtros subjetivos; ainda vale o bom senso, mas será que ele é aplicado em 100% das avaliações?

Fazendo uma analogia com um comercial de pneus da Pirelli, onde utiliza-se a frase “Potência não é nada, sem controle”, podemos dizer que o diploma ou certificado não significam nada se o possuidor não souber o que fazer com eles, ou se não encontrar uma aplicação melhor do que a decoração da parede da sala, ou talvez a ostentação de um potencial que deveria existir.

As boas oportunidades no mercado de trabalho são CONSTRUÍDAS com esforço e superação pessoal, atualização constante e visão “de fora da caixa”. Não existe fórmula mágica ou abracadabra que resolva essa questão de outra forma, não pelas vias normais.

No início, eu disse que o conceito de formação é dúbio, e explico: a formação é muito mais abrangente do que o mero grau de escolaridade, e tem a ver com a própria constituição do indivíduo. Assim, ela depende da base familiar, experiências pessoais, capacidade de abstração e resolução de problemas, postura, visão estratégica, e por aí vai.

Dessa forma, perguntar a uma pessoa “você é formado em quê?” deveria ter como resposta “estou me formando em viver”, já que a formação é um processo de toda a vida, e não apenas de um período de 2, 4, 6 ou até 8 anos de ensino superior, que por si não são nenhuma garantia de competência.


Denilson Lima é graduado em Gestão de Recursos Humanos e trabalha no setor de tecnologia automobilística.
Texto escrito em 29/11/10

domingo, 26 de setembro de 2010

ASSÉDIO MORAL, OUTRA FACE DA VIOLÊNCIA



As situações a seguir foram baseadas em fatos reais. Os nomes dos personagens citados neste artigo foram modificados por questões de segurança:

- Caso 1: Miguel, 17 anos, office boy em uma empresa gráfica, vai para o trabalho como se percorresse a Via Dolorosa. Seu superior, encarregado do setor de expedição, tem solicitado serviços fora do horário normal e reclama aos berros se não for atendido prontamente. O rendimento escolar do rapaz caiu muito e ele tem se mostrado pouco participativo e alheio aos acontecimentos. “Mano, o cara me bota pilha o dia inteiro, e eu trampo tipo um camelo! Só eu levo encarcada...é embaçado, véio! O cara é tipo carrasco, tá ligado?! (sic)”

- Caso 2: Normando, 48 anos, motorista de ônibus, está afastado do trabalho há dois meses com diagnóstico de síndrome do pânico. Sentiu-se muito mal e precisou ser socorrido, após  ser ridicularizado diante de seus colegas pelo supervisor de frota, supostamente por estacionar incorretamente um veículo no pátio. A situação já havia ocorrido outras vezes, as ofensas foram se agravando e não houve atitude corretiva por parte da empresa. “Nunca precisei passar por isso. O cara me chamou de ‘incompetente’ e ‘jumento’ no meio da pinhãozada (sic)...e justo eu que nunca perdi um dia de trabalho!”

- Caso 3: Marluce, 26 anos, operadora de call center, passou a sofrer de depressão e raramente sai de casa. Pediu demissão por ser constantemente chamada de "burra" e "lerda" por sua coordenadora nas reuniões de equipe, principalmente se não atingia a meta de vendas. Passados seis meses, ela ainda chora ao comentar o ocorrido e faz acompanhamento psiquiátrico. “Aquilo era um inferno, eu não aguentava mais aquela vida! Só queria saber de ir embora, ir embora...”

- Caso 4: Annelise, 42 anos, vendedora de eletrônicos, teve um AVC após discutir com sua gestora. Segundo colegas próximas, há alguns meses ela vinha sendo pressionada a vender mercadorias falsificadas como sendo originais. Diante de sua recusa, ouviu ameaças do tipo "para eu te 'queimar' e te botar no olho da rua é dois palito (sic)”, "você não vale m... nenhuma, tem mais é que fazer o que eu mando!".

- Caso 5: Lenira, 26 anos, auxiliar de serviços gerais, abriu denúncia no Ministério do Trabalho contra sua ex-patroa; esta, além de dispensar-lhe tratamento notadamente grosseiro e desrespeitoso, utilizou-se de comentário de cunho racista durante uma reclamação sobre salários: “Veja bem, você sabe que o negro, se quiser se dar bem na vida, precisa trabalhar dez vezes mais que os outros”.

- Caso 6: Kleber, 29 anos, supervisor de compras, passou a consumir bebidas alcoólicas em excesso nos últimos seis meses, por conta de stress e fadiga. Após reivindicar bolsa de estudos para pós-graduação, passou a ser hostilizado por seu gerente, sendo inclusive deixado na “geladeira” (sem atribuições ou tarefas significativas), fazendo com que ele seja visto pelos colaboradores como alguém desnecessário ao departamento. “O cara disse que eu estava f...na mão dele, que esse negócio de bolsa era pilantragem minha só para ganhar mais, que se ele não tinha esse benefício, não faria questão de brigar pelo dos outros”.

- Caso 7: Sinvaldo, 35 anos, assistente de compras pleno, retornou de suas férias e constatou que fora novamente preterido para uma vaga como comprador. O novo funcionário inclusive utilizou os equipamentos de Sinvaldo, fato que gerou a impressão de que ele havia sido demitido.  Ao questionar sobre sua não convocação para o processo, ouviu apenas a alegação de não tinha perfil para o cargo. “Eu conheço todos os processos e trabalho nessa função há quatro anos! Nunca fui chamado sequer para fazer os testes de aptidão e dizem que não preenchia os requisitos. O pior é que o chefe teve a cara-de-pau de dizer que brecou minha promoção! Como pode?

Casos como estes são bastante comuns e representam algumas das facetas possíveis de um crime hediondo e silencioso: o ASSÉDIO MORAL. Pouco noticiado e de complexa demonstração, vem aos poucos ganhando espaço nas discussões sobre qualidade de vida no trabalho e defesa dos direitos do empregado, graças à coragem daqueles que tiveram suas vidas e mentes dilaceradas por gestores inescrupulosos e inaptos para liderar.

Uma pesquisa realizada entre março de 1996 e julho de 1998, junto Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas, Farmacêuticas e Similares em São Paulo, detectou que num universo de 2.072 entrevistados, 42% relataram episódios vexatórios ou humilhantes como os citados acima.

As manifestações mais comuns dessa ação criminosa incluem:

- isolamento deliberado do funcionário, que pode ocorrer dentro do próprio departamento ou em outro recinto;
- solicitação de tarefas absurdas ou muito insignificantes, causando a sensação de improdutividade;
- projetos ou relatórios pedidos em caráter emergencial, que posteriormente são engavetados ou desconsiderados;
- ofensas e tortura psicológica constante (intimidação, ameaças veladas ou explícitas);
- interferir em processos seletivos internos, visando prejudicar a participação de subordinado ou mesmo impedi-lo;
- redução da perspectiva de ganhos ou diferenciação de salários sem critério objetivo;
- terror psicológico visando induzir a prática de atividade ilícita ou fraude em procedimentos, entre outros.

Um dos fatores que mais dificultam a divulgação desse tipo de ocorrência é o medo de perder o emprego. Já foram noticiados casos em que o empregado tem dificuldades para encontrar nova colocação, porque a empresa antiga não fornece boas referências, geralmente por ordem do assediador; este se utiliza de prerrogativas como um cargo de confiança para acobertas suas ações. Outra possibilidade é a de que o próprio ex-patrão/ex-chefe telefone ou envie mensagens para outras companhias do mesmo ramo de atuação, de forma a sujar ou denegrir a reputação do ex-empregado.

O objetivo do assediador é subjugar alguém ou mantê-lo em estado de constante pavor e servidão, pois ele sente imenso prazer nisso; na maior parte dos casos o assédio ocorre de forma vertical (chefe-subordinado). A exposição continuada a estas situações geralmente traz danos gravíssimos para a saúde do trabalhador, sendo que as reclamações mais freqüentes são insônia, palpitações, depressão, ansiedade, diminuição da libido, agressividade, tendência ao alcoolismo e até mesmo tentativas de suicídio.

Empresas mais atentas e responsáveis procuram criar mecanismos internos ou comissões para apurar irregularidades e denúncias, de modo a evitar passivos trabalhistas e ações indenizatórias. Na contramão desse processo, seguem outras que dão total liberdade de mandos e desmandos a seus gestores, e alguns vêem nisso uma forma de aval e conivência com suas atitudes intimidadoras.

Infelizmente muitos trabalhadores têm optado pela “lei do silêncio” e continuam a fazer parte (como peças) de um jogo sádico e macabro, no qual não terão a mínima chance de ganhar, a menos que optem pela via da denúncia do agressor e preservem sua integridade moral e mental.

Não se engane: assédio moral é um crime rasteiro, oculto muitas vezes por elogios fingidos, chances que nunca serão dadas e promessas de sucesso que nunca se concretizarão, fazendo com que se crie uma expectativa igual à dos jovens do desenho “A Caverna do Dragão”, que ao tentar voltar para casa sempre são atrapalhadas pelos planos sórdidos do Vingador.


Denilson Lima é formado em Gestão de Recursos Humanos e trabalha no setor automobilístico

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CÁLCULOS SOBRENATURAIS (OU UMA LÓGICA PERVERSA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS


Em algum lugar, nos bastidores do departamento comercial de uma empresa qualquer:


- Cadê aquele novo aparelho de ginástica que você prometeu para hoje de manhã? - perguntou Péricles, gerente de marketing, às 14:00h.

- Já está disponível na loja desde às 09:00h! Baixe a bola porque você está atrasado, como sempre! - respondeu Duvaldo, gerente de compras e custos.

- Poxa, Duvaldo, você nunca me dá retorno das informações. Eu não sou bidú e nem tenho bola de cristal para adivinhar. O cliente está aguardando desde às 08:00h, meu! - retrucou Péricles, roxo de raiva.

- Relaxa, amigo. O importante é que chegou! Sem crise, sem crise! - respondeu Duvaldo, plácido como ele só.

- Tá bom, vai... mas qual é o preço de venda dessa porcaria? Pagamos quatrocentos paus, vê se não vai me ferrar, hein?!

E tome cálculos. Digita pra lá, digita pra cá, risca, rabisca. Enfim sai o resultado:

- O preço final é três mil e quinhentos.

- Você está louco, Duvaldo?! Que conta você fez para chegar a esse resultado aí? Sua calculadora está roubando, cara!!!

- Simples! Preste atenção: eu pego o preço de compra, divido por 0.1 e adiciono o índice D.D.D.D.H! - resumiu Duvaldo, como se sua resposta não trouxesse dúvidas.

- Que raio de índice é esse? - perguntou Péricles, desconfiado.

- D.D.D.D.H significa "Depende Do Dia e DHumor": se eu estiver de bom humor, a taxa é zero. Se estiver de mau humor, incluo o triplo do valor de compra. Se eu acordo atrasado, é só o dobro; já se eu tenho que chegar mais cedo, aí são os dois valores e assim por diante. Isso varia de acordo com o dia, a hora, a cara do cliente. Uma hora eu te explico, porque é um cálculo muito complexo e tem mais algumas coisas que só dá para definir na hora. - concluiu solene.

- Mas...cobrar essa fortuna por um produto que o mercado vende por bem menos da metade?! Isso é loucura, Duvaldo!

- Se quiser, é assim. Não esquenta, amigo. O cliente vai se sentir importante por ter comprado um produto com esse preço. É uma questão de status, de poder, e tem um pouco de Psicologia também: a pessoa fica orgulhosa, se sente importante e poderosa quando diz que pagou uma nota preta por qualquer coisa. E em nosso caso, o cliente está comprando um produto na XYZ, a melhor loja de aparelhos de ginástica do país. - disse o gerente de compras, pimpão como ele só.

- Bom, pensando por esse lado, até que vale a pena. E tem mais: já que o cara está procurando, deve ter dinheiro para pagar. Vou arrancar até as cuecas do cliente e ele ainda vai me agradecer pelo atendimento diferenciado. - sorriu Péricles, com aquele cara de carrasco pronto para executar alguém.


Moral da história: não assine sem ler, não compre sem pesquisar.